"Estou cego." Este é o grito do primeiro personagem que aparece na obra "Ensaio sobre a cegueira" do Saramago, e que foi filmada pelo Fernando Meirelles e estreiou no cinema em setembro do ano passado. Meu Deus do céu, acabei de ver o filme agora e tô mal. Certamente vou ficar com ele na cabeça por uns bons dias, pensando toda hora nas cenas... impactuantes e chocantes. Na verdade nem são bem as cenas q são assim, é a abordagem mesmo dos fatos. Que podridão! Que doença! Uma verdadeira merda de gente, de vida e de mundo! Emporcalhamentos a parte, a música é do grupo Uakti, maravilha!!! Aqueles barulhinhos enchendo os ouvidos daquela gente cega num mundo branco e imundo... como Meireles consegue ter idéias assim, Uakti no Ensaio Sobre a Cegueira... Só esses caras mesmo!
O negócio é q o filme é uma porrada e eu tô incomodada com tudo. Com a preguiça, com a ignorância, com o descaso, com a imbecilidade, com o egoismo principalmente! Egoismo é o pior. Esse negócio de querer tudo pra si, essa coisa de tirar vantagem de tudo, nem que seja uma miserazinha!Essa mesquinharia de ser só você, de viver só pra vc e foda-se o resto do mundo!
Eu ainda não li o livro, devo ler, não sei ainda quando pq minha listinhas tá do tamanho da nossa cegueira. Talvez ele venha a ser o primeiro. O próprio Saramago numa apresentação pública do livro disse o seguinte:
"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." (José Saramago)
Enquanto assitia o filme, a "mulher do médico" me fez lembrar de outra personagem do Saramago, a Blismunda de "Memorial do Convento". Blismunda tinha a capacidade de enxergar o interior das pessoas, mas nem por isso sentia-se afortunada, pois algumas vezes tinha que ver aquilo que não queria. Da mesma maneira, a mulher do médico é a única que pode ver as belas e horrorosas imagens descritas pelo autor, seja o lindo banho de chuva das mulheres na varanda ou os cachorros que devoram o cadáver de um homem na rua. Ela não sabe se é abençoada ou amaldiçoada por poder enxergar em uma terra de cegos.
Daí a gente fica pensando... Como instaurar o pensamento mais profundo, a sensibilidade para a coexistência dos seres? Acho que o "Ensaio Sobre a Cegueira" abre os olhos para a realidade do mundo, o caos que pode se instalar a qualquer momento, as atitudes impensadas de quem está no poder tentando isolar o problema ao invés de estudá-lo. (Esta idéia inclusive me remete a Foucault, ando com saudade dele rsrs) Regras são quebradas, pois ninguém mais vê quem está agindo errado; os mais fortes abusam do poder; e o instinto de sobrevivência vai tomando conta dos homens. É a transformação do homem em animal que só vive para satisfazer seus apetites mais primitivos. A obra mostra o horror da anarquia em seu pior estado – o selvagem. Mostra o desmoronar completo da sociedade que, por causa da cegueira, perde tudo aquilo que considera como civilização.
Li no blog do Fernando Meirelles que a primeira imagem que veio na cabeça dele ao ler "Ensaio Sobre a Cegueira" foi a da nossa civilização como uma complexa estrutura, como aquelas que se formam ao acaso no jogo de pega-varetas. De repente, uma vareta é retirada (a visão) e a estrutura toda desaba. Sobre o interesse dele em filmar esta obra ele disse o seguinte:
"Me interessei por esta história porque ela expõe a fragilidade desta civilização que consideramos tão sólida. Em nossa sociedade, os limites do que achamos que é civilizado são rompidos cotidianamente, mas parece que não nos damos conta, a barbárie está instalada e não vemos ou não queremos ver. Para mim, era sobre isso o livro. A metáfora da cegueira branca ilustra nossa falta de visão. “Eu não acho que ficamos cegos”, diz um personagem. “Acho que somos cegos. Cegos que podem ver, mas não vêem”. Por quanto sofrimento precisamos passar para que consigamos abrir os olhos e ver? Essa foi a primeira questão que me coloquei ao fechar a última página. Os personagens desta história não têm nomes e nem precisam uma vez que são todos indistintos, incapazes de enxergar uns aos outros. Foi pensando no percurso de cada um deles que percebi que o desmoronamento do qual o livro fala não é necessariamente da sociedade ou da civilização, mas de cada indivíduo. Ao perder a visão, os personagens fazem o percurso da desumanização, passam a se mover pelo instinto de sobrevivência e suas vidas se resumem a comer, transar, defecar. É só o restabelecimento das relações amorosas, do afeto, do reconhecimento do outro que lhes dá a estrutura para reconstruir suas vidas e se humanizarem novamente." (Extraído do Blodg do Fernando Meirelles)
E aí eu penso que nós, seres humanos, quando despojados das facilidades modernas, parece que voltamos a ser bichos, em busca das nossas necessidades básicas, como comida, bebida e sexo. E mesmo após passar por degradações, privações e sermos humilhados, ainda somos capazes de encontrar uma maneira de termos alegria. Para provar que, apesar de tudo, ainda somos seres humanos. O "Ensaio Sobre a Cegueira" mostra a profunda humanidade dos que são obrigados a confiar uns nos outros quando os seus sentidos físicos os deixam. O brilho branco da cegueira ilumina as percepções das personagens principais, e a história torna-se não só um registro da sobrevivência física das multidões cegas, mas também das suas vidas espirituais e da dignidade que tentam manter. Mais do que olhar, importa reparar no outro. Só dessa forma o homem se humaniza novamente. Uma coisa doentia e cruel. Enfim...
Só sei que no final, eu, e acredito que todo mundo que leu o livro ou assistiu o filme, termina meio tonto e se perguntando: É assim que verdadeiramente somos??? É preciso ficarmos cegos para enxergar a essência de cada um???
Que esta semana seja menos cega, que a gente possa ver, enxergar e reparar mais e melhor!
* Vou deixar uma dica de leitura pra eu não me esquecer de ler também, a Peste de Albert Camus.
Bjokas pra todo mundo, especial pro Prof. Mario Galvão e Dona Edite, que não vêem, mas enxergam e acho que reparam. Hoje me lembrei do pouco tempo que convivi com eles e me lembrei de algumas coisas que me ensinaram. Foi um prazer organizar as caixinhas de contas da estante e preencher as folhas de cheques pra comprar ração do lindo labrador branco. Como disse o prof. Mário: Aqui em casa, em terra de cegos, quem tem olho é escravo rsrs