domingo, 3 de maio de 2009

Até passarinho passa

Não conheço, além do imenso tempo, nada que tenha existido para sempre. Até o silêncio passa.

Muito, muito, muito lindo!!! "Até passarinho passa" é o título de um livro q o Pedro tá lendo na escola, pro seminário, eu, claro, não resistir e li tbm! É uma história de amor e amizade entre um garoto e um passarinho que costumava visitar sua varanda. O mais interessante, além dos incríveis trecho descritivos dos cenários e das impressões do menino sobre o passáro amigo, são os diálogos tecidos entre os dois, sempre no silêncio. Só os seus olhos conversavam. Vou transcrever alguns partes, vejam q graça:

"(...) Mas eu não encontrava sinal de tristeza na existência dos passarinhos. Todo o universo lhes parecia ser construído apenas de deslumbramentos. O norte estava onde o desejo apontava. Só exercitava as asas quando a distância era longa e o vazio muito largo. Uma bonita preguiça eu percebia em seus gestos, quase sempre. Então, esticavam as asas, abrindo-as em conchas, cobrindo a cabeça e protegendo os pensamentos como se fossem pérolas. Cada movimento dos passarinhos permanecia gravado em mim como um modelo de rigorosa criação.


Nunca me indaguei no silêncio do alpendendre, se passarinho pensava. Meu espanto e minha inveja eram pelos seus voos. Voar não me parecia tarefa tão simples. Primeiro era preciso o vazio, o nada, o aberto, o sem-fronteiras. Isso interrompia minha esperança. Eu vivia sempre rodeado de impossibilidades, vigiado por paredes, muros e grades. Minhas asas só existiam para sonhar. E voar exige deslocamentos. Mas, se os passarinhos não pensavam, eu acreditava que pressentiam a chegada da noite, a ameaça da chuva, o percurso dos ventos.

Diferenciavam o grão da pedra, conheciam a madureza dos frutos apenas pela cor, observavam a profundeza das poças para os banhos, sentiam a ameaça dos olhares e temiam o perigo das gaiolas. E mais, eles compreendiam que para viver era preciso ninhos, tecido com gravetos e cuidados, em lugares ocultos e seguros. Mesmo longe da terra eles necessitavam de um abrigo. Ter um ninho é poder retornar, é ter um lugar de repouso, uma referencia, um agasalho. E, se eu encontrava, desavisadamente, alguma promessa de outras vidas dentro de seus ninhos, fazia de conta que não via para não gorá-los.
E como eu amava esses passarinho! Eram vírgulas delicadas pontuando o vazio e as suspeitas. Quando eles surgiam, em bando ou solitários, meu coração deixava de bater para não assustá-los. Meu corpo ficava imóvel para não impedir suas procuras. Minha respiração fazia susgir uma pausa necessária para inaugurar uma liberdade mais definitiva. E minhas mãos cruzadas prometiam avisá-los que só os tocaria com o olhar. Eu pensava que para mar os passarinhos só os olhos bastavam. Mas eu sofria de uma coceira incômoda na palma da mão. Vontade de pentear suas penas com meus dedos (...)." (Bartolomeu Campos de Queirós)

Não é uma fofura, gente. E isso é só uma amostrinha, pq o livro inteiro é assim, singelo e de uma poética profunda e cheia de sutilezas, própria do paradoxo simplicidade/complexidade característico da infância. O Bartolomeu (autor do livro) teve aqui, na Coeducar, pra conversar com as crianças sobre os livros dele, principalmente sobre esse, que é o que as crianças estão lendo. Ainda mais, abordar um tema um pouco complicado e díficil de tratar, talvez mais ainda, com as crianças, que é a questão da morte. Amei mesmo, e fico sempre tão feliz e agradecida pelos prazeres que, não raras vezes, o Pedro muito me proporciona. Esse foi um deles.


Uma semana com batidas de asas, levesa e flauta!

Bjokas pros que amam passarinhos e outros bichos





Nenhum comentário: