domingo, 31 de maio de 2009

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

"Estou cego." Este é o grito do primeiro personagem que aparece na obra "Ensaio sobre a cegueira" do Saramago, e que foi filmada pelo Fernando Meirelles e estreiou no cinema em setembro do ano passado. Meu Deus do céu, acabei de ver o filme agora e tô mal. Certamente vou ficar com ele na cabeça por uns bons dias, pensando toda hora nas cenas... impactuantes e chocantes. Na verdade nem são bem as cenas q são assim, é a abordagem mesmo dos fatos. Que podridão! Que doença! Uma verdadeira merda de gente, de vida e de mundo! Emporcalhamentos a parte, a música é do grupo Uakti, maravilha!!! Aqueles barulhinhos enchendo os ouvidos daquela gente cega num mundo branco e imundo... como Meireles consegue ter idéias assim, Uakti no Ensaio Sobre a Cegueira... Só esses caras mesmo!

O negócio é q o filme é uma porrada e eu tô incomodada com tudo. Com a preguiça, com a ignorância, com o descaso, com a imbecilidade, com o egoismo principalmente! Egoismo é o pior. Esse negócio de querer tudo pra si, essa coisa de tirar vantagem de tudo, nem que seja uma miserazinha!Essa mesquinharia de ser só você, de viver só pra vc e foda-se o resto do mundo!
Eu ainda não li o livro, devo ler, não sei ainda quando pq minha listinhas tá do tamanho da nossa cegueira. Talvez ele venha a ser o primeiro. O próprio Saramago numa apresentação pública do livro disse o seguinte:

"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." (José Saramago)

Enquanto assitia o filme, a "mulher do médico" me fez lembrar de outra personagem do Saramago, a Blismunda de "Memorial do Convento". Blismunda tinha a capacidade de enxergar o interior das pessoas, mas nem por isso sentia-se afortunada, pois algumas vezes tinha que ver aquilo que não queria. Da mesma maneira, a mulher do médico é a única que pode ver as belas e horrorosas imagens descritas pelo autor, seja o lindo banho de chuva das mulheres na varanda ou os cachorros que devoram o cadáver de um homem na rua. Ela não sabe se é abençoada ou amaldiçoada por poder enxergar em uma terra de cegos.

Daí a gente fica pensando... Como instaurar o pensamento mais profundo, a sensibilidade para a coexistência dos seres? Acho que o "Ensaio Sobre a Cegueira" abre os olhos para a realidade do mundo, o caos que pode se instalar a qualquer momento, as atitudes impensadas de quem está no poder tentando isolar o problema ao invés de estudá-lo. (Esta idéia inclusive me remete a Foucault, ando com saudade dele rsrs) Regras são quebradas, pois ninguém mais vê quem está agindo errado; os mais fortes abusam do poder; e o instinto de sobrevivência vai tomando conta dos homens. É a transformação do homem em animal que só vive para satisfazer seus apetites mais primitivos. A obra mostra o horror da anarquia em seu pior estado – o selvagem. Mostra o desmoronar completo da sociedade que, por causa da cegueira, perde tudo aquilo que considera como civilização.

Li no blog do Fernando Meirelles que a primeira imagem que veio na cabeça dele ao ler "Ensaio Sobre a Cegueira" foi a da nossa civilização como uma complexa estrutura, como aquelas que se formam ao acaso no jogo de pega-varetas. De repente, uma vareta é retirada (a visão) e a estrutura toda desaba. Sobre o interesse dele em filmar esta obra ele disse o seguinte:

"Me interessei por esta história porque ela expõe a fragilidade desta civilização que consideramos tão sólida. Em nossa sociedade, os limites do que achamos que é civilizado são rompidos cotidianamente, mas parece que não nos damos conta, a barbárie está instalada e não vemos ou não queremos ver. Para mim, era sobre isso o livro. A metáfora da cegueira branca ilustra nossa falta de visão. “Eu não acho que ficamos cegos”, diz um personagem. “Acho que somos cegos. Cegos que podem ver, mas não vêem”. Por quanto sofrimento precisamos passar para que consigamos abrir os olhos e ver? Essa foi a primeira questão que me coloquei ao fechar a última página. Os personagens desta história não têm nomes e nem precisam uma vez que são todos indistintos, incapazes de enxergar uns aos outros. Foi pensando no percurso de cada um deles que percebi que o desmoronamento do qual o livro fala não é necessariamente da sociedade ou da civilização, mas de cada indivíduo. Ao perder a visão, os personagens fazem o percurso da desumanização, passam a se mover pelo instinto de sobrevivência e suas vidas se resumem a comer, transar, defecar. É só o restabelecimento das relações amorosas, do afeto, do reconhecimento do outro que lhes dá a estrutura para reconstruir suas vidas e se humanizarem novamente." (Extraído do Blodg do Fernando Meirelles)

E aí eu penso que nós, seres humanos, quando despojados das facilidades modernas, parece que voltamos a ser bichos, em busca das nossas necessidades básicas, como comida, bebida e sexo. E mesmo após passar por degradações, privações e sermos humilhados, ainda somos capazes de encontrar uma maneira de termos alegria. Para provar que, apesar de tudo, ainda somos seres humanos. O "Ensaio Sobre a Cegueira" mostra a profunda humanidade dos que são obrigados a confiar uns nos outros quando os seus sentidos físicos os deixam. O brilho branco da cegueira ilumina as percepções das personagens principais, e a história torna-se não só um registro da sobrevivência física das multidões cegas, mas também das suas vidas espirituais e da dignidade que tentam manter. Mais do que olhar, importa reparar no outro. Só dessa forma o homem se humaniza novamente. Uma coisa doentia e cruel. Enfim...
Só sei que no final, eu, e acredito que todo mundo que leu o livro ou assistiu o filme, termina meio tonto e se perguntando: É assim que verdadeiramente somos??? É preciso ficarmos cegos para enxergar a essência de cada um???

Que esta semana seja menos cega, que a gente possa ver, enxergar e reparar mais e melhor!


* Vou deixar uma dica de leitura pra eu não me esquecer de ler também, a Peste de Albert Camus.

Bjokas pra todo mundo, especial pro Prof. Mario Galvão e Dona Edite, que não vêem, mas enxergam e acho que reparam. Hoje me lembrei do pouco tempo que convivi com eles e me lembrei de algumas coisas que me ensinaram. Foi um prazer organizar as caixinhas de contas da estante e preencher as folhas de cheques pra comprar ração do lindo labrador branco. Como disse o prof. Mário: Aqui em casa, em terra de cegos, quem tem olho é escravo rsrs

domingo, 24 de maio de 2009

Se eu quisesse um espelho eu comprava!!!

Meu talento é minha defesa.
Minha inteligência é acaso.
Não sou criador, sintetizo.
Minha bondade é culpa.
Meu bom senso é medo.
Não sei, sugo.
Meu equilíbrio tem as deformações do que é normal.
Minha lucidez nasceu da doença.
Não sou, suo.
Minha simpatia é falta de naturalidade.
Meu galanteio é corruptor.
Não tenho gestos, tenho intenções.
Minhas admirações são inveja.
Meu espanto é covardia.
Não invento, formulo.
Minha indiferença arde de desejos.
Minha doçura é timidez.
Minha versatilidade é esquizóide.
Não planto; colho, espertamente, a emoção comum.
Não fecundo porque sou hábil.
Não educo porque sou fraco.
Não desagrado porque sou dependente. Não abalo porque sou medroso. Meu brilho é a máscara do meu vazio. Meu vazio é minha verdade. Minhas palavras são "flatus vocis". Não sou expulso porque me acomodo. Não crio porque pouco ouso. Não abro caminhos, sou mero tradutor.
Não renovo porque repito.Não ameaço porque prefiro o mais fácil. Não espanto porque me deixei amansar. Não sangro porque desisti. Meu NÃO tem disfarces demais. Meu SIM, quando será integral? Meu eufemismo é hipócrita. Não perco o emprego porque aprendi a sobreviver.
Não digo todas as minhas verdades por medo e preconceito.Não escrevo o que sei e sim o que finjo saber. Não sei, nem tudo o que finjo. Minha frase é esconderijo. Meu prestígio é minha insegurança. Minha palavra não é o "sal da terra". Minha alegria é de estufa. Meu elogio é demolidor. Não sou a imagem que projeto. Não mereço os carinhos que recebo. Não valho a sua admiração. Não sinto, sentindo, o que sinto escrevendo. Minha modéstia é arrogante.
Minha agressão é ressentimento.
Minha ironia dá úlcera.
Minha vitória é menoridade.
Não me decido a ser definitivo.
Não venci as derrotas antigas.
Não derrotei as vitórias fáceis.
Meus ideais são ambições fantasiadas.
Minha crítica é projeção.
Minha frustração escreve melhor do que eu.
Minha amargura me finge simpático.
Não consegui vencer a minha infância.
Minha coerência foi parar no sanatório.
Meu sarcasmo tem cara de anjo.
Meu riso é amortecedor, emoliente e trânsfuga.
Não sou bom, preciso da bondade.

Minha esperança e minha salvação: saber de tudo isso.
E CONFIAR E PROSSEGUIR.

(ATO LEIGO DE CONTRIÇÃO - Artur da Távola)



Texto horroroso, que mal gosto tremendo. Se eu quisesse um espelho, eu comprava!!!!!

terça-feira, 19 de maio de 2009

Vê se eu aguento!

Meu Deus do céu, ando sem tempo, pra variar... Há dias q eu to querendo postar um monte de coisa, monte de idéia na cabeça, tanta coisa pra fazer... Enfim, tô querendo dias com 72 horas pra viver!!! Alguém pode me ceder um? Tô lá no Dia das Mães, até hoje, embora acho essa coisa de datas comemorativas uma chatisse, coisa puramente comercial mesmo! Vê se mãe vai ter dia! Mas deixa isso pra lá... críticas à sociedade de consumo a parte! Só sei que esse ano, eu fiquei tão orgulhosa, mas tanto tanto que não aguentei, vim mostrar pra todo mundo a carta q eu recebi rsrsr. Vê se eu aguento isso, gente!

"Mamãe o meu coraçaõ aperta muito por você. Eu te amo muuuuuito e você é meu presente muito querido. É muito linda, mesmo você brigando eu sempre vou te amar e você é muito divertida brinca comigo, faz eu rir ficar divertido e você é uma pessoa muito especial na nossa família e você tem dia que está meio louca. Você sempre é bonita e muito legal."


Um monte de beijo e de cheirinho nele! O gostoso mais gostoso do mundo!!! Que torna a minha vida mais suave e mais feliz!





domingo, 3 de maio de 2009

Ainda sobre passarinhos...

PRATO DO DIA
Detalhe na xicrinha, parece que tem café com licor de nozes, flores do bosque e frutas silvestre!

Até passarinho passa

Não conheço, além do imenso tempo, nada que tenha existido para sempre. Até o silêncio passa.

Muito, muito, muito lindo!!! "Até passarinho passa" é o título de um livro q o Pedro tá lendo na escola, pro seminário, eu, claro, não resistir e li tbm! É uma história de amor e amizade entre um garoto e um passarinho que costumava visitar sua varanda. O mais interessante, além dos incríveis trecho descritivos dos cenários e das impressões do menino sobre o passáro amigo, são os diálogos tecidos entre os dois, sempre no silêncio. Só os seus olhos conversavam. Vou transcrever alguns partes, vejam q graça:

"(...) Mas eu não encontrava sinal de tristeza na existência dos passarinhos. Todo o universo lhes parecia ser construído apenas de deslumbramentos. O norte estava onde o desejo apontava. Só exercitava as asas quando a distância era longa e o vazio muito largo. Uma bonita preguiça eu percebia em seus gestos, quase sempre. Então, esticavam as asas, abrindo-as em conchas, cobrindo a cabeça e protegendo os pensamentos como se fossem pérolas. Cada movimento dos passarinhos permanecia gravado em mim como um modelo de rigorosa criação.


Nunca me indaguei no silêncio do alpendendre, se passarinho pensava. Meu espanto e minha inveja eram pelos seus voos. Voar não me parecia tarefa tão simples. Primeiro era preciso o vazio, o nada, o aberto, o sem-fronteiras. Isso interrompia minha esperança. Eu vivia sempre rodeado de impossibilidades, vigiado por paredes, muros e grades. Minhas asas só existiam para sonhar. E voar exige deslocamentos. Mas, se os passarinhos não pensavam, eu acreditava que pressentiam a chegada da noite, a ameaça da chuva, o percurso dos ventos.

Diferenciavam o grão da pedra, conheciam a madureza dos frutos apenas pela cor, observavam a profundeza das poças para os banhos, sentiam a ameaça dos olhares e temiam o perigo das gaiolas. E mais, eles compreendiam que para viver era preciso ninhos, tecido com gravetos e cuidados, em lugares ocultos e seguros. Mesmo longe da terra eles necessitavam de um abrigo. Ter um ninho é poder retornar, é ter um lugar de repouso, uma referencia, um agasalho. E, se eu encontrava, desavisadamente, alguma promessa de outras vidas dentro de seus ninhos, fazia de conta que não via para não gorá-los.
E como eu amava esses passarinho! Eram vírgulas delicadas pontuando o vazio e as suspeitas. Quando eles surgiam, em bando ou solitários, meu coração deixava de bater para não assustá-los. Meu corpo ficava imóvel para não impedir suas procuras. Minha respiração fazia susgir uma pausa necessária para inaugurar uma liberdade mais definitiva. E minhas mãos cruzadas prometiam avisá-los que só os tocaria com o olhar. Eu pensava que para mar os passarinhos só os olhos bastavam. Mas eu sofria de uma coceira incômoda na palma da mão. Vontade de pentear suas penas com meus dedos (...)." (Bartolomeu Campos de Queirós)

Não é uma fofura, gente. E isso é só uma amostrinha, pq o livro inteiro é assim, singelo e de uma poética profunda e cheia de sutilezas, própria do paradoxo simplicidade/complexidade característico da infância. O Bartolomeu (autor do livro) teve aqui, na Coeducar, pra conversar com as crianças sobre os livros dele, principalmente sobre esse, que é o que as crianças estão lendo. Ainda mais, abordar um tema um pouco complicado e díficil de tratar, talvez mais ainda, com as crianças, que é a questão da morte. Amei mesmo, e fico sempre tão feliz e agradecida pelos prazeres que, não raras vezes, o Pedro muito me proporciona. Esse foi um deles.


Uma semana com batidas de asas, levesa e flauta!

Bjokas pros que amam passarinhos e outros bichos