domingo, 8 de junho de 2008

Eu gosto

Eu não sei pra que servem os aquários, guarda-chuvas, aviões. Mas eu gosto... de sambar no ensaio da escola eu gosto, de serviços domésticos e calças de boca de sino. Eu gosto de velas de todos os tipos e vidros antigos. Eu gosto sem saber exatamente pra que serve, acordar de manhã eu gosto bastante; de café eu gosto. De não saber pra que servem tantas coisas como escorpiões e baratas. Pra que servem baratas e remédios milagrosos e gripes? Pra que servem os olhos e as mãos e os pontos de ônibus e as luzes? Como podem os postes e as pontes e os sinais de trânsitos? Como podem as mães e os filhos? Como podem os pés e chão que as vezes falta? O inverno e o verão e as luas. E as lágrimas rolando dos olhos como um rio transparente. E o sexo como pode o sexo invertendo o corpo pelo meio? Como pode o Tratado de Tordesilhas, e as ilhas quem pode? O vento de outono no rosto e os poços artesianos... as beiras e as torneiras e o amor quem pode? Quem pode palavras como pode esse som transbordando de coisas? Como pode os nomes e homens como pode? (fragmentos de Viviane Mosé)



Para Ágata, pelas boas lembranças que guardo de vc, pelo seu gosto, pela sua literatura e pela sua delicadeza!

domingo, 18 de maio de 2008


Capítulo XII


Ela sabia que sensações, quando intensas, deixam os demais sentidos dormentes, na ânsia de se poder aproveitar cada instante do momento de prazer proporcionado pela nova emoção que toma o corpo. Sabia também, como ninguém, induzi-las. Helena sentia as mãos frias e suadas, o coração batendo forte constantemente. Diante das circunstâncias, não era de se esperar algo diferente, mas nem por isso era cômodo, e sequer conveniente, uma vez que pretendia manter-se concentrada em um único objetivo. Pensou em várias formas de se livrar daquela sensação desagradável, sem muito êxito. Mas andando pela rua (aquela movimentada, que não se consegue distinguir o cheiro dos papéis mofados dos escritórios dos perfumes que as pessoas insistem em usar para ir ao banco pedir empréstimo), viu em um lugar a possibilidade de ter todos os seus problemas resolvidos. Entrou, eufórica e pediu:_ Uma bola, desse aí de frutas vermelhas, na casquinha. Descobriu que não pode acabar com as sensações, ou sentimentos. É preciso substituí-los. A mente precisa de algo mais complexo para desviar sua atenção. E quer algo mais difícil e interessante do que tentar diferenciar na polpa o sabor de cerejas, amoras, framboesas, morangos... Todo dissolvido em uma nuvem cremosa e gelada?_ Com calda de chocolate, por favor. Afinal, nada como inovar, para distrair. E quando o sorvete chega ao final, não volta a sensação antiga, porque a mente está preocupada demais para entender como coisas tão simples podem consertar uma tarde de sexta-feira, digamos, inquieta.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Ao caos, à lua que não alcanço, ao soluço do vazio,
ao tédio, ao médio, ao ócio, ofereço conhaque.
Que sirva aconchego, que leve fervor, calor.
Ao belo, ao elo, ao momento infinito,
ao puro luar em noite de verão, ao encontro,
ao suspiro, às taças esquecidas no chão,
ofereço Vermute, para completar os devaneios insanos
nas noites frescas do mês de Julho.
Às lágrimas incontidas, ao único, ao véu, ao canto, ao pranto,
ao entardecer de outono, às cartas de amor, à face serena,
à cortina entreaberta, ofereço Vinho (tinto, seco, amadeirado).
Ao lírico, ao lúdico, ao hilário, ao áureo, ao puro, ao encanto,
ao ego, à luz, aos anjos, aos encantos, ao novo, ao ruído do vento,
ao alento, ofereço Champagne, pela leveza, pela alegria, pelo bem estar.
À amargura, ao impróprio, ao desejo impuro,
à maledicência, ao inferno astral, ao breu, ao seu,
ao fútil, ao inútil, ao domingo chuvoso, ao inacabado,
ofereço chá alecrim com maça, adoçado com (muito) mel.
Ingira em demasia.


Amiga Pati, tim-tim! Um brinde ao que oferecemos, ao que não oferecemos, ao que recebemos, ao que não recebemos. Um brinde a nossa existência e a nossa desistência!!! Tim-tim...

quinta-feira, 17 de abril de 2008

... De ontem em diante

"De ontem em diante serei o que sou no instante agora

Onde ontem, hoje e amanhã são a mesma coisa

Sem a idéia ilusória de que o dia, a noite e a madrugada são coisas distintas

Separadas pelo canto de um galo velho

Eu apóstolo contigo que não sabes do evangelho

Do versículo e da profecia

Quem surgiu primeiro? o antes, o outrora, a noite ou o dia?

Minha vida inteira é meu dia inteiro

Meus dilúvios imaginários ainda faço no chuveiro!

Minha mochila de lanches?

É minha marmita requentada em banho Maria!

Minha mamadeira de leite em pó

É cerveja gelada na padaria

Meu banho no tanque?

É lavar carro com mangueira

E se antes, bem antes, um pedaço de maçã

Hoje quero a fruta inteira

E da fruta tiro a polpa... da puta tiro a roupa

Da luta não me retiro

Me atiro do alto e que me atirem no peito

Da luta não me retiro...

Porque todo dia de manhã é nostalgia das besteiras, das besteiras

e das besteiras que fizemos ontem"

(Fernando Anitelli)


A todos os amigos Raros, um restinho de semana colorido e vibrante!!!
Bjos e bjos
Renata


domingo, 13 de abril de 2008

DARWIN E A ESTAGNAÇÃO DAS ESPÉCIES




Essa semana li um artigo na revista História Viva intitulado "Brasil Selvagem - palco da iniciação de Darwin". O artigo discorre sobre a passagem da tripulação do barco inglês HMS Beagle sobre as águas trépidas do hemisfério sul no ano de 1831, tendo como o mais ilustre de seus tripulantes o então jovem naturalista Charle Darwin.

A viagem que teve cinco anos de duração, talvez tenha sido a mais importante aventura científica da era moderna, pois possibilitou a esse jovem cientista viver momentos de grandes descobertas e emoções que permitiram uma grande virada na história da ciência. Afinal, nesta expedição Darwin testemunhou tempestades, variações climáticas, conheceu tribos de diferentes hábitos, observou e coletou muitas plantas, viu e caçou animais, sofreu ataque de diversos insetos e observou como os homens viviam. Todas esses acontecimentos foram detalhamente descritos pela mente genial do jovem cientista, o que torna suas percepções acerca dessas experiências uma relíquia histórica e, principalmente, a base que fundamentou a teoria da evolução das espécies e sua adaptação aos ambientes naturais.

Foi no dia 19 de fevereiro de 1831 que o ilustre tripulande pisou nas terras tropicais do paraíso chamado Brasil. Certamente a expectativa criada diante da chegada ao mundo tropical, não deve ter sido das menores, e de fato, as maravilhas do sem fim o aguardavam como podemos ver logo abaixo, em alguns dos fragmentos descritos por Darwin em seu Diário de Bordo:

"A ilha toda é uma floresta, e ela é tão espessamente cerrada que se requer grande esforço de quem pretenda rastejar por ali. O cenário é muito lindo e grandes magnólias e louros e árvores cobertas de delicadas flores haveriam de me satisfazer. (...) Tenho certeza de uqe toda a grandiosidade dos trópicos ainda não foi vista por mim". (Darwin, Charle. 19/02/1831, anotações sobre a aproximação da ilha de Fernando de Noronha)

" O deleite que se experimenta em momentos como esse confunde a mente: se o olho tenta seguir o vôo de uma colorida borboleta, ele é detido por uma árvore ou um fruto estranhos; se observando um inseto, pode-se esquecê-lo na estranha flor sobre a qual caminha; se estiver se voltando para admirar o esplendor do cenário, o caráter individual do primeiro plano toma a tenção." (Darwin, Charles. 27/02/1831, anotações sobre a chegada à Bahia)

Indiscutivelmente, as observações sobre a enorme diversidade de plantas e animais, seus relatos sobre a aproximação da ilha de Fernando de Noronha, a chegada à Bahia, a passagem por Pernambuco, a estadia no Rio de Janeiro foram decisivos para a formação do pensamento científico no Ocidente.
Porém o que mais me chamou a atenção ao ler fragmentos do Diário de Bordo de Darwin, foram as suas observação sociológicas. São estas observações que logo adiante explicitarei, que justificam o título deste post - "DARWIN E A ESTAGNAÇÃO DAS ESPÉCIES". São observações sobre o comportamento dos indivíduos constituintes dessa nação chamada de brasileira. Comportamentos que em nada se modificaram em relação àquilo que chamamos de caráter nacional. Comportamentos que infelismente atestam a vergonha da impunidade, da desigualdade, da exploração e da falta de respeito. Darwin percebeu o "jeitinho brasileiro". Darwin percebeu o desvio do caráter nacional que ainda hoje, talvez mais do nunca, se manifesta de modo um tanto evidente em nossa sociedade. E a esse respeito o jovem cientista anotou no dia 3 de julho de 1831:

"É algo aterrador ouvir os crimes monstruosos que se cometem diariamente e escapam sem punição (...) Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que em pouco tempo ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados. Um homem pode tornar-se marujo ou médico, ou assumir outra profissão, se puder pagar o suficiente." ( Darwin, Charles. anotações sobre os costumes brasileiros, 03/07/1831)

E o pior gente, é que o nosso povo, ainda teve a cara de pau de criticar as leis inglesas, apontando que a única falha nelas encontrada, foi a de não poder perceber que as pessoas ricas e respeitáveis tivessem qualquer tipo de vantagem sobre os miseráveis e os pobre.

Pois bem, pagamos na carne o tributo da burrice nacional. E é por essas e outras que tem hora que da vontade de nem sei... Não sei! Sinto vergonha pela falta de vergonha na cara e deixo que Darwin se despeça por mim (e de mim):

"Agradeço a Deus nunca mais ter que visitar um país escravagista. Até hoje quando ouço um grito distante, ele me faz lembrar com dolorosa vivacidade meus sentimentos, quando passando em frente a uma casa próxima de Pernabuco (na verdade, Recife), no Brasil, ouvi os mais penosos gemidos, e não podia suspeitar que pobres escravos estavam sendo torturados (...)."


Pelo que tudo indica, a "Teoria da Evolução" não se aplica muito bem por aqui, e talvez uma Teoria da Estagnação consiga explicar como é possível se dar a adaptação de uma espécie humana em habitat como o nosso. Um local "(...) onde a maioria está ainda em estado de escravidão e onde o sistema se mantém por todo um embargo da educação, fonte pricipal das ações humanas, o que se pode esparar a não ser que seja o todo poluído por sua parte?" (Darwin, Charles. O resumo de sua estada entre nós. 17/03/1831)

Desejo a todos uma semana iluminada e produtiva!
Abraços
Renata













sexta-feira, 11 de abril de 2008

Tchau trouxa, foi bom!

Amiga Holiday (que não é a Billie, mas é a Dani), esse post é todo seu! Bateu sessão nostalgia... daí lembrei daquela música do Arrigo Barnabé que você cantou aqui em casa uma vez, e que quase me matou de tanto rir rsrs Dizia algo mais ou menos assim:





"Você tem medo de fazer amor comigo
Você tem medo de
acordar com um bandido

E ver no espelho escrito com batom:
Tchau trouxa, foi bom!"





Saudade das nossas conversas, longas madrugadas em cozinhas e quartinhos ultra esfumaçados, via sacra em Tiradentes, lual no Chafaris e Chora Rita...


... mas como vc mesmo diz:

"nada é mais doloroso do que a eternidade, então... deixa morrer.... Deixa morrer porque Eros também é Tanatos. Se não morrer não brota, não reiventa, não nasce, não faz semente". (Dani Holiday)

Bjos pra Dani Holliday, lembranças de Tirandentes e da época da FUNREI.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Madame Bovary, nós te entendemos!

Esse post vai pros meus alunos do 2 ano médio do Colégio Cener, pois foi junto a vocês que me veio a idéia de escrever sobre sobre essa personagem tão fascinante da literatura realista francesa. Além de ser uma homenagem a Emma de Flaubert, a heroína que "chegou atrasada" para o romantismo, aproveito para saudar também nosso célebre Machado de Assis, suas mulheres e seus olhares. Saudações à Rita, Conceição, Marcela, Virgília, Sofia, e é claro, à mais enigmática e intrigante personagem feminina de Machado, a eterna Capitu, com seus "olhos de ressaca", "olhos de cigana oblíqua e dissimulada".

Emma, foi sem dúvida, uma mulher a viver fora do seu tempo, fora da realidade exigida por sua época. Ao longo de toda a história da humanidade, e diante da estrutura legal e política de cada época, muitos foram os fatores que levaram à construção de heroínas assassinadas ou suicidas no romantismo do século XIX espremidas entre o casamento e a maternidade. Afinal, vale lembrar que nem sempre as mulheres quiseram o casamento, nem sempre elas foram inativas politicamente, mas foram, sem dúvida, objetos de uma legalidade sobre a qual não tinham nenhuma chance. Foi exatamente por criticar essa ilusão moralista romântica; por criticar os desajustes e a falsidade de atitudes da burguesia; por romper com a subjetividade sentimental e promover um aprofundamento na análise pscológica dos personagens, que Madame Bovary é considerada a obra inicail do realismo francês.

É bom lembrar de ler ou reler Madame Bovary hoje. Para muita gente ainda pode ser escândalo uma mulher adúltera por não se realizar no casamento (do qual, diferente de nós, hoje, ela não podia fugir). Marcante também é o desenho do homem deste romance, que também escandalizou e ainda escandaliza: tanto o pai, quanto o marido, bem como os dois amantes de Emma, aparecem como homens fracos, banais, sem vigor, sem caráter, sem brilho. Se os homens do século XIX têm muito medo do caos que as mulheres podem trazer ao mundo do poder, é porque também sabem que a lucidez pode desmascará-los. Sempre pensamos que são as mulheres que desejam amparo, amor, atenção e reconhecimento dos homens. Mas não estaria aí invertida esta posição comum? Pode um homem viver sem a honra que é “o que os outros pensam”. Para evitar que saibam é preciso sustentar muita mentira.

Em um artigo publicado pela filósofa Márcia Tiburi, da UFRS sobre os 150 anos de Madame Bovary, a professora afirma que Emma comete suicídio como quem dá fim a uma mulher que vivia de ilusões e foi traída. Segunda Márcia, Emma é o Jesus Cristo de todas as mulheres contemporâneas. Ela morreu para nos salvar da imbecilidade e da menoridade da qual podemos ser as culpadas.

Por tudo isso Madame Bovary, nós te endemos!
Abraço carinhoso aos meus queridos pupilos do 2 ano, pois com vocês, as aulas de literatura tem sido com todas deveriam ser, um enorme prazer!!!

domingo, 6 de abril de 2008

Pros que estão em casa...

ÀS VOLTAS COM FOUCAULT

Divagações de uma ainda aspirante a analista de discursos



Depois de um tempo afastada deste camarada que tanto me acompanhou durante quase três anos de estudo, venho sobre ele me debruçar novamente. Mais especificamente, escrevo hoje, sobre"A Ordem do Discurso". Livrinho pequeno, de umas 80 páginas, coisa de ler rápido. Na contrapartida, o conteúdo do livro é imenso. De fazer pensar muito. Motivo pelo qual estou inaugurando este Blog. Mas porque "A Ordem do discurso"? Penso que escrever aqui, em uma rede tão aberta, requer a instauração de alguma ordem. Mas que esta tal ordem, não seja interpretada como controle ou falta de liberdade ou qualquer idéia de censura. Assim, eu começo essa reflexão sobre o ato de dizer alguma coisa, questionando o ato de ouvir. Se hoje tanta gente fala que não sabemos ouvir, é porque talvez haja pouco interesse dos que falam em "saber falar". O esforço de elaborar a linguagem, de buscar diálogo, de dizer sem violência, é só o que podemos chamar de comunicação. Penso que este esforço e esta busca pelo ato de dizer, só valerá a pena se realmente conseguir realizar algum tipo de comunicação que seja verdadeira e honesta. Sendo assim, dizer algo só tem a ver com as pessoas, se houver alguma interação, só tem a ver com à família se conseguir realizar o amor, e só terá a ver com a escola se conseguir realizar o conhecimento. Foucault diz que o discurso não é só um mecanismo de poder, uma estratégia para convencer ou ludibriar o outro, é também um objeto de desejo. Todos querem dizer. Todos querem ser ouvidos. Vivemos obsecados pelo discurso, esse objeto despertador de desejos, e dos mais ardentes por sinal. Afinal, querer o discurso é querer o poder. Poder, por sua vez, é algo que pode ser bom ou mau, depende da ética com que é exercido. Ética, aliás, é sempre o mais difícil, porque ninguém sabe muito bem o que significa ser ético diante de valores tão relativos em sociedades tão confusas e esquisitas. Que deva haver ética na comunicação entre as pessoas. Será que o único jeito sincero e honesto de falar algo, não seria justamente mostrando tudo o que há por trás do que dizemos? Será que é possível ter um acesso tão profundo ao que se diz? A pergunta que resume isso tudo é simplesmente a mais cruel de todas: será que sei o que digo?


Abraço aos meus amigos da UENF, em especial para o Sérgio, que tanto me ensinou, muito por saber me ouvir.