domingo, 12 de julho de 2009

... o amor pelo mundo me esperava

(...) Mas possuia o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitara. E que talento tinha paraa crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe
emprestados os livros que ela não lia. Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuia As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passassse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

(...) guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.



(...) Como contar o que se seguiu? Eu estava estoteada e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importava. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Cheguei em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. Ás vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
(Clarice Lispector - Felicidade Clandestina)




Abraço pros meus queridos pupilos. Amanhã é dia e a gente vai tá feliz pq as férias tão chegando... rsrs êeeba!

Um comentário:

Guto Respi disse...

Felicidade clandestina da Clarice L. é marcante. sabe o que me lembro muito? da ilustração da capa e o projeto gráfico. pq será?! (risos)

adorei a visita! apareça sempre..

beijo, abraço e uma pergunta:
- pela foto me lembra mto a renata de viçosa. é?!