segunda-feira, 27 de junho de 2011

Vamos lendo... vamos pensando...

“J’ACUSE!!!
Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice.”
(Émile Zola)
Eu acuso!!! Meu dever é falar, não quero ser cúmplice.
Centenas e centenas e cetenas são os casos de desacato, de desrespeito, de descaso e sobretudo de desvalorização da figura tanto profissional quanto humana do professor.  Pelo Brasil afora, as ameças constantes, professores são agredidos, professores são espancados, professores são assassinados!
O mais recente caso, pelo menos, o noticiado pela mídia, ocorreu no dia 15 de junho em uma escola estadual da zona sul de São Paulo. A vítima foi da professora Gina, de 58 anos, covardemente espancanda por uma “mãe” vejam bem, uma “mãe” de um “aluno”, dentro da escola.
Em 2010, o professor Kassius Vinícius Castro Gomes, do Instituto Metodista Izabela Hendrix em Belo Horizonte, foi assassinado a facadas, por um aluno do curso de Educação Física.
Como epsódios de violência contra professores têm ocorrido em tempo cada vez mais freqüente, de modo pertubador,  causando perplexidade e indignação quero compartilhar o texto escrito pelo professor Igor Pantuzza, sobre a morte do professor Kassius.

Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos,
desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um
estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas,
alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando
para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do
estudante foi ter que... estudar!).
A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças
constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada
por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser
outro.
O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com
seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas
eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem
tomando conta dos ambientes escolares.
Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A
promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras
de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e
imperativo de convivência supostamente democrática.
No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era
proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”.
A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas
difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”.
Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu
conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é
o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está
pagando...
E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral
epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo
vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos
que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter
conhecimento é ser ‘crítico’.”
Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto
e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a
mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina
é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao
aluno – cliente...
Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de
nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados
para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar
com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o
mundo lhes deve algo”.
Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma
faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um
professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter,
sentir, amar.
Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os
direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à
ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do
que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido
processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada
pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio
covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao
célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por
trás do cabo da faca:

EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo
e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;
EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam
a “revolta dos oprimidos”e justificam a violência por parte daqueles
que se sentem vítimas;
EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do
politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves
no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres
para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;
EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e
doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a
dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a
avaliação ao perfil dos alunos”;
EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em
nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a
proliferação de cursos superiores completamente sem condições,
freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;
EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de
diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade
com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras
missões na sociedade;
EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez
menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge
que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje
vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;
EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus
alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar
estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com
segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;
EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela
massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que
ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e
moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito”
de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo
para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;
EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”,
uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa
e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas,
à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um
ambiente de busca do conhecimento;
EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que disciplina
é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,
EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se
tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e
vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;
EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos
políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO
os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de
aplicar a devida punição.
EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores
que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou
pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;
EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas
desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua
omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável
pela ocorrência dos incidentes maiores;
Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos -clientes,
serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados
e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício
da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e
decepções do dia a dia.
Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza,
estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e
essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível
que podemos chamar de “o outro”.
A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na
cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota
baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do
patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato,
a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima.
O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua
vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita
raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora,
fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.”
Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo.
Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil
no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte
não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira
e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova
cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é
fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade,
responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.

Igor Pantuzza Wildmann
Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.


Um comentário:

Cassiana Lima disse...

RÊ,
parabéns pelos textos, estou acompanhando aqui do Rio (que bom que existe a internet!) e gostando muito.. Realmente não devemos nos calar diante de uma injustiça. Não me lembro de quem ouvi isso, "mas se você assiste à uma luta, na qual há um anão e um gigante brigando e não faz nada, você está obviamente do lado do gigante". beijos,
Cassi