segunda-feira, 21 de junho de 2010
sei lá, sei lá...
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do mundo?
Não sei.
Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar.
É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas)
O mistério das coisas?
Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
“Constituição íntima das coisas”...“Sentido íntimo do universo”...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando,
e pelos lados das árvoresUm vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensinar)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,(que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,E ando com ele a toda hora.”
Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), in “O Guardador de Rebanhos” - Poema V
Dizem que recordar é viver. E lendo estes poemas de ultimamente, têm me vindo recordações... Ando revivendo o "Pessoa" e ando com saudade de beber sozinha no trailler do Gordo, e de tomar chopp com o Pedro Lira depois da aula tbm.
Um abraço amigo ao Pedro Lira, meu querido louco professor. Sempre poeta, sempre romantico, sempre apaixonado, sempre Pessoa!
quinta-feira, 17 de junho de 2010
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Andando por linhas tortas
Nunca outra coisa.
Essa semana, fiz uma coisa que eu julgava importante, mas não deu certo. É, não deu! Como muitas coisas, muitas vezes, não dão mesmo certo. Mas vamos lá... Por ironia do destino, enquanto eu procurava material pra uma aula q não aconteceu, eis que eu encontrei! E o que eu encontrei foi muito mais q um material. Bom, deixa eu explicar. O tema da aula era pra ser: A Linguagem Literária e seus efeitos de sentido. Bom, muito bom! Um tema amplo, com inúmeras possibilidades de exploração, e no qual eu, empolgadamente, me atirei e logo no primeiro mergulho encontrei o poema. Na verdade, não sei se foi eu que o encontrei ou se foi o poema que me encontrou. Ontem eu tive a sensação de que o poema foi meu amigo e já sabia antes de mim, que eu ia precisar dele. Caso não fosse para a aula, seria para lê-lo. Afinal, poemas servem mesmo é para serem lidos e sentidos, eles não nascem para serem estudados. Li, reli, senti! Não tive dúvida, ia ser ele. Se não resultasse em uma boa aula, certamente continuaria sendo um belo poema. Pelo menos uma boa leitura o que já seria alguma coisa. E foi assim que conheci o "Poema em linha reta" do Álvaro de Campos, o poeta das sensações, crítico e inconformado. Pra quem não conhece, Álvaro de Campos é um dos heterônimos de Fernando Pessoa, que, com sua genialidade, o fez nascer em Tavira no dia 15 de outubro de 1889, o fez "fingir" que estudou engenharia, o fez viajar ao Oriente onde escreveu o "Opiário". Enfim, Fernando Pessoa o fez existir para escrever este poema que alguém no mundo teria que escrever. E se acaso esse alguém não existisse, ele teria que ser inventado mesmo. Assim, Pessoa o inventou. E ele me apareceu, assim, na hora certa, no momento em que eu precisa sentir, exatamente isso, sentir! Não teve aula, mas teve poesia!
"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
quarta-feira, 2 de junho de 2010
...enquanto eu andar distraída...
... o acaso vai me proteger...
Hoje, não por acaso, resolvi escrever sobre o acaso.
Por acaso as pessoas se encontram, e por acaso se desencontram também. Quando o acaso acontece a gente é levado a "fazer coisas". O acaso não pode ser pensado demais, ele não é planejado, acontece, simplesmente é vivido. O acaso é o que faz seguir em frente, afinal, é assim é que a gente existe. Seguindo em frente. O acaso é o principal. Ele é bem vindo.
Viver o acaso dá a sensação de liberdade para inventar o real, como se a vida se compusesse de mágica e pudéssemos entrar em contato com ela como quando somos crianças e tudo que existe em nós nos deixa curioso e felizes. Na hora do acaso a criatividade vem livre (sim, existem criatividades que não são são livres) de modo que nós, seres humanos, somos levados a sair da mera condição de sobrevivente da vida, tendo que nos lançar na aventura e na potência do novo, do que está por vir.
O acaso não é o caos, nem a mera bagunça, com os quais é tão fácil confundi-lo. Ele é produzido em um encontro. Ele é o que se espera, como algo que, na contramão, não se pode esperar e que, no entanto, se sabe que virá. O acaso é como o nascimento da vida em seu instante mais primitivo. Ele tem o poder de desmanchar uma subjetividade empedrada. Conviver com o acaso nos ensina, penso eu, a aceitá-lo como parte da vida, como o que – no cancelamento do sentido, faz tudo ter sentido. Mesmo que pelo avesso de tudo o que estamos acostumados. Para as surpresas do acaso, não há como a gente se preparar, ninguém pode ser treinado para o acaso, como ninguém pode ser treinado a viver; vale aceitar a aventura e, tentar transformar instantes de ansiedade e medo, em energia e ação, e assim, acreditar que as coisas do acaso, assim como a vida, é uma aventura que pode dar certo. Sei lá o que significa "dar certo"...
Pinturas de Antonio Bokel
Só sei que do acaso e da vida eu não sei nem a metade. E depois disso só me resta dizer que viver o acaso é uma das melhores coisas que se pode viver na vida.