quarta-feira, 16 de junho de 2010

Andando por linhas tortas






Tudo desde sempre
Nunca outra coisa.
Nunca ter tentado
Nunca ter falhado
Não importa.
Tentar outra vez
Falhar outra vez
Falhar melhor!




Essa semana, fiz uma coisa que eu julgava importante, mas não deu certo. É, não deu! Como muitas coisas, muitas vezes, não dão mesmo certo. Mas vamos lá... Por ironia do destino, enquanto eu procurava material pra uma aula q não aconteceu, eis que eu encontrei! E o que eu encontrei foi muito mais q um material. Bom, deixa eu explicar. O tema da aula era pra ser: A Linguagem Literária e seus efeitos de sentido. Bom, muito bom! Um tema amplo, com inúmeras possibilidades de exploração, e no qual eu, empolgadamente, me atirei e logo no primeiro mergulho encontrei o poema. Na verdade, não sei se foi eu que o encontrei ou se foi o poema que me encontrou. Ontem eu tive a sensação de que o poema foi meu amigo e já sabia antes de mim, que eu ia precisar dele. Caso não fosse para a aula, seria para lê-lo. Afinal, poemas servem mesmo é para serem lidos e sentidos, eles não nascem para serem estudados. Li, reli, senti! Não tive dúvida, ia ser ele. Se não resultasse em uma boa aula, certamente continuaria sendo um belo poema. Pelo menos uma boa leitura o que já seria alguma coisa. E foi assim que conheci o "Poema em linha reta" do Álvaro de Campos, o poeta das sensações, crítico e inconformado. Pra quem não conhece, Álvaro de Campos é um dos heterônimos de Fernando Pessoa, que, com sua genialidade, o fez nascer em Tavira no dia 15 de outubro de 1889, o fez "fingir" que estudou engenharia, o fez viajar ao Oriente onde escreveu o "Opiário". Enfim, Fernando Pessoa o fez existir para escrever este poema que alguém no mundo teria que escrever. E se acaso esse alguém não existisse, ele teria que ser inventado mesmo. Assim, Pessoa o inventou. E ele me apareceu, assim, na hora certa, no momento em que eu precisa sentir, exatamente isso, sentir! Não teve aula, mas teve poesia!


POEMA EM LINHA RETA

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. " (Álvaro de Campos)
E vamos finalizando... andando em linha torta e farta de semideuses!
Risos fartos e muita poesia... pras gentes (que ainda restam)

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